Blog do Disma
Olhe, leia, opine.
26/01/2009
Acionistas do nada: quem são os traficantes de droga
A todo momento a discussão sobre a criminalidade e o sistema carcerário aparece na mídia. A maioria dos apontamentos para a solução do problema gira em torno da diminuição das disparidades sociais.
Esta discussão raramente é voltada para o funcionamento do sistema carcerário. Orlando Zaccone, um delegado de Nova Iguaçu Rio de Janeiro, traz um novo olhar sobre esta questão. Um dado surpreendente: 98% dos presos no Brasil estão enquadrados em apenas 6 tipos de crimes, ou seja, no sistema prisional brasileiro, a cadeia é feita para pobres.
Zaccone criou um projeto em sua delegacia chamado carceragem cidadã (www.policiacivil.rj.gov.br/exibir.asp?id=5567)onde os presos possuem oportunidade de realmente retornar a sociedade, fazendo cursos profissionalizantes e concluindo o ensino fundamental e médio. O delegado é autor do livro "Acionistas do Nada" em que retrata a situação do sistema carcerário brasileiro. Leia abaixo o prefácio:
Prefácio
Este livro de Orlando Zaccone aprofunda o debate sobre os efeitos da nossa política criminal de drogas numa perspectiva inovadora. Do lado mais duro da trincheira do capitalismo de barbárie, trabalhando como Delegado de Polícia no Estado do Rio de Janeiro, Zaccone lança o olhar crítico sobre o maior vetor de criminalização dos novos tempos: o comércio de drogas ilícitas. Seu trabalho, carregado da verdade dolorosa do dia-a-dia, é impregnado de imaginação sociológica e sensibilidade histórica, tudo aquilo que falta em grande parte nas ciências sociais ao abordar o assunto. Não é interessante constatar que a intelligentsia policial pode assegurar uma visão crítica da questão criminal, enquanto a sociologia politicamente correta se "policiza"?
Talvez Orlando Zaccone tenha compreendido mais do que ninguém (porque o fez com a própria pele) as diferentes atribuições de estigmas quando o assunto é drogas. Que outra razão explicaria a concentração de registros de ocorrência de tráfico de drogas de uma região para outra? Ele explica e comprova através da sua experiência na aplicação do direito penal nas delegacias do Rio: nas áreas pobres o comércio varejista de drogas ilícitas é exercido por traficantes, nas áreas ricas é aplicada a solução abolicionista de respostas à situação-problema. Em Jacarepaguá o jovem favelado aparecerá hediondamente, como inimigo público número 1, sujeito às penas mais duras, nas condições mais adversas; na Barra da Tijuca o tráfico fluirá com baixas taxas de criminalização, com pouquíssimos inquéritos policiais.
Este sistema desigual de atribuições de estereótipos, descrito magistralmente por Rosa del Olmo, é demonstrado pelo trabalho de Zaccone, que realiza uma atualização das teorias do labeling approach no Brasil, retomando as trilhas sábias de Augusto Thompson. Tanto Thompson como Zaccone aproveitaram a penosa prática da gestão da segurança pública para produzir uma teoria revigorada e encarnada, na perspectiva do realismo marginal proposto pelo nosso ministro Raúl Zaffaroni. Alessandro Baratta já havia nos ensinado sobre a importância do rotulacionismo como ponto mais avançado da criminologia liberal, tendo produzido uma ruptura criminológica com os paradigmas positivistas e funcionalistas que o antecederam. O labeling approach, ou rotulacionismo, produziu a criminologia da reação social com um deslocamento de seu objeto, do "delinqüente" ou do desvio para a "definição do delito", recuperando o melhor do penalismo liberal. Essa importante escola demonstrou que a questão criminal só pode ser analisada através da ação do sistema penal, pela reação das instâncias oficiais às situações problemáticas e por seu efeito estigmatizante. Para o rotulacionismo o criminoso não é um ponto de partida, mas sim realidade socialmente construída, implicação do processo social intitulado de criminalização secundária. No paradigma da reação social a intervenção penal não tem efeito reeducativo, mas determina a consolidação da identidade desviante.
Através das conclusões dos estudos dos crimes de colarinho branco realizados por Sutherland, apareceram as cifras negras, as distorções estatísticas, o falso quadro da distribuição da criminalidade, concentrada sempre nos mais pobres e/ou resistentes. Entre a criminalidade latente e a perseguida, um poderoso filtro vai atribuir diferentes significados, estereótipos e respostas penais. Trata-se de compreender a ação seletiva das instâncias penais com um grande dispositivo de criminalização.
É esta discussão e essa prática que aparece renovada pelo trabalho de Orlando Zaccone. Ele demonstra que, ao contrário do que apregoam os preconceituosos "policiólogos", a intelectualidade da polícia pode estar na vanguarda da reflexão criminológica quando alia a verdade e o conhecimento da sua realidade com a reflexão crítica sobre o sistema penal e suas funções para o desenvolvimento do capital neoliberal. A criminologia de Orlando Zaccone apresenta todos os elementos e possibilidades para a construção de outras políticas de segurança, com uma polícia menos vulnerável, menos exposta, mais qualificada e mais próxima do seu povo.
Vera Malaguti Batista
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário